26 janeiro 2007

Diga-me o que não falas (se isso for possível) e te direi quem és

As pessoas evitam pronunciar certas palavras, evitam escrever outras e evitam pensar em outras. São as palavras odiadas, palavras que causam irritação em quem as pronuncia, em quem as ouve. Palavras que causam desconforto em quem está escrevendo e o escritor que abusar delas vai encontrar o seu leitor do outro lado da linha que separa seus amigos dos inimigos.
Tudo é muito relativo, tudo é muito variável, mas existem algumas que são evitadas por quase todo mundo. Entre elas estão:
Alma - Honra - Responsabilidade - Sacrifício - Espírito - Mente - Moral e, inclusive, Deus (quando usada a sério, fora de expressões como "meu Deus!" ou "Deus me livre!") São alguns exemplos.
Essas palavras se tornaram malditas pelo peso doentio imposto a elas pelas religiões, durante alguns séculos. O cristianismo, mais específicamente. São palavras capazes de estragar irremediavelmente qualquer texto porque estão carregadas com uma (outra palavra chata:) aura de pura breguice, cansaço, desconfiança, dor e, por que não, medo.
O desconforto que essas palavras causam significa, entre outras coisas, que a alma (argh!) está machucada; significa uma cicatriz ainda dolorosa na área mental (ui,ui,ui) que trata desses assuntos.
Essas palavras foram praticamente deformadas e seu uso só é comum em desequilibrados.
Não sou masoquista, já tá ficando difícil continuar. Argh!
Por isso: diga-me o que não pronuncias e te direi que tua liberdade é ilusória, que temes ainda o monstro que se oculta no fundo de teus pesadelos e cujo nome verdadeiro não conheces bem, cujo apelido é medo e é tão velho quanto tua ingênua credulidade.
Caramba, carácoles, carái e putzgrila! Pqp! Desculpem, tenho que dar uma aliviada aqui, sô.

08 janeiro 2007

Mamã Natureza

Mamãe Natureza é boazinha, dizem. Bem, pelo menos me disseram isso, repetidas vezes. Tudo na Natureza tem um equilíbrio perfeito, também já ouvi muito.
Vi na TV uns gnus em pandemonio atravessando um rio; crocodilos com seus sorrisos compridos, puro sarcasmo, desciam do barro das margens e iam lá, morder as pernas dos gnus debaixo dágua. Eram milhares de gnus que tinham limpado a relva numa área de um quilômetro quadrado do lado de cá do rio e que agora iam rapar o outro lado.
Tinha umas zebras que ficaram sem capim e seguiram os gnus, levando no rastro uma família grande de hienas. As hienas balançam a cabeça de um modo sinistro e têm enorme dificuldade de relacionamento uma com as outras. Não querem atravessar a droga do rio mas vão até as margens porque sabem que ali tem umas leoas furiosas, escondidas atrás do mato raso.
A TV mostrou duas leoas lustrosas, espremidas atrás de uma moita, tensas e com os rabos dando chicotadas no ar, TPM em último grau. E o burro do gnu passa assim, na frente delas. A leoa pula de quatro em cima dele, o bicho leva um susto que o olho quase sai pra fora e caem os dois dentro da água, fazendo um escarcéu infernal, lama voando pra todo lado e a outra leoa vem franzindo a cara para não levar respingo no olho.
As hienas ficam na margem, botando olho grande, andando pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, babando, fissuradas. Uma delas, mais retardadinha, não percebe que tá chegando perto de um crocodilo, camufladão no barro. Ele dá um pique em cima dela, um monstro de não sei quantos metros e o bicho é rápido; a hiena escapa por pouco, a adrenalina botando ela pra correr até o fim da África. O crocodilo tá agitado também, fecha a boca naquele sorriso esquisito e volta, rabeando, doidão, pra dentro do rio.
Lá na frente um hipopótamo obeso com uns hipopotinhos (sic) obesinhos vão entrando na água e deixando aquela bagunça pra tras.
A camera corta pra um urubu do tamanho dum ganso que vem voando, já baixo, e aterrisa com uns pulinhos igual gente que corre pra pegar o ônibus e o ônibus vai embora e o cara desiste da corrida e vai freiando sem graça.
O saldo dessa zona toda é alguns gnus mortos ficando por ali e o resto já do outro lado do rio. Um ser humano pelado no meio de uma confusão dessas não duraria trinta segundos. Na verdade o ser humano pelado não dura muito em nenhum lugar natural. Leva bicada, da bactéria até a trombada do elefante. Também não dá mole pra nenhum animal. O processo da vida é um negócio absolutamente psicopata.
- Ô, muda esse canal aí. Cadê o controle? Aproveita e me traz o uísque aí que o meu acabô, liga o ar condicionado e me vê mais duas pedras de gelo.