Assim que a pintura morreu lembrei-me das últimas palavras de Modigliani: "Cara, cara Itália". O que fazia aquele italiano perdido nos bairros perdidos de Paris no início do século passado? Pintava uns quadros, entre uma bebedeira e outra. Pintava alguns nus femininos, entre uma namorada e outra. Sempre pintou retratos (são conhecidas apenas duas ou três paisagens e, que eu saiba, nenhuma natureza morta) e seus retratos são caricaturas de outra espécie, não são humorísticas e captam características físicas dos retratados de uma forma extremamente poética. Modigliani era de um bom gosto extremo. Nesse aspecto ele foi o oposto do seu contemporãneo, Picasso. A combinação de cores em Modigliani é ímpar, nunca par, e é a prova dos nove de qualquer pintor. Nas mãos de Picasso a pintura foi demagógica, populista, grosseira e poderosa, colocada de propósito aquém da capacidade de discernimento de qualquer um; quantos milhares de pessoas já pensaram diante de um Picasso: "se isso é arte, meu filho de cinco anos é um gênio" e, no entanto o atrevimento de Picasso paralisou qualquer reação. Ninguém reage quando o atrevimento é muito porque o muito atrevido é, por definição, sem freios. (vide políticos, bandidos em penitenciárias, etc) Modigliani viveu arduamente, uma barra meio pesada, morreu jovem, por excessos de toda ordem, mas sua pintura é de uma serenidade extrema. Nela há uma sofisticação, um refinamento, incompatível com a realidade popular das almas populares (sic). Não importa, ele fica lá, no passado e, de vez em quando, alguém, precisando de um pouco de poesia, vai lá olhar.