08 julho 2006

Alguma Memória I

Acredito em deuses arcaicos, roupas de baixo e no uniforme escolar. As moças que andavam com eles, cinza, verde e branco; a bandeira desfraldada de uma juventude ímpar; aqueles anos onde a gente era jovem também e havia sonho - sonho nos olhos, sonhos nas mãos – e elas, as moças, apertavam os cadernos e livros contra o peito juvenil; a gente era isso, juvenil, e nada podia derrubar nossa torre, erguida sobre a ruína das ruas.
No pátio descampado daquele colégio eu virava a mesa, andava sem direção, matando aula e ia até a cantina. Perseguia, mesmo em pensamento, a imagem de Norminha e, se ela estivesse na cantina - e com certeza estaria - eu, por outro lado, estaria do outro lado das vidraças, o sol da tarde pelas costas e minha sombra no vidro, emoldurando a imagem da menina magrela que usava um blusão Lee sobre o uniforme.
Eu fumava de vez em quando, passeando na alameda do colégio, vindo da escuridão do pátio interno que ficava sob o imenso bloco de cimento que comportava as salas de aula. Eu escrevia alguma coisa nos meus cadernos, não importando a matéria escolar que havia neles. No de matemática havia poesia, idem no de geografia, e mais outros que não me lembro - estão todos soterrados no tempo.
Helena passava, subindo a rampa. Não me via e olhava sempre para frente, ligeiramente para o alto, subindo a rampa que ia dar nas salas de aula onde ela lecionava. Lições que eram obra do acaso; uma história que não era a nossa; uma mulher que entrava na sala de aula como a sacerdotisa que entra num templo antigo. Uma sacerdotisa antiga do Egito, cogito, uma deusa antropomórfica que desceu, pisou no meio do colégio estadual numa hora em que ninguém viu - a gente estava em casa, dormindo. Eu a seguia com os olhos assim como seguia cada passo com os ouvidos e guardava minhas mãos no bolso para que elas (mãos) não me traíssem, fazendo seus sinais de muda timidez. Viaja, nessas tardes, na memória, meu coração de antanho.

Um comentário: