27 julho 2006

Para Allen Ginsberg (1926-1997)

As vozes americanas estão caladas
“Quais vozes?” - dirão, dentro dos desertos
os filhos da antiga natureza.
“Quais vozes?” - dirão, dentro dos metrôs
os eleitos
correndo nos trens elétricos.

Ginsberg (um outro Withman,
cientes um do outro
em todas as prateleiras públicas)

O peixe celacanto
desaparecido no fulgor da aurora
redivivo no apartamento
e nas paredes dos quartos impossíveis
e incendiando a imaginação da estrela
e configurando na terra a estirpe
dos que não tem amigos
apenas o resíduo dessa ilusão.

Assim pesado, dentro do espaço da moldura.
Ali parado, no cotovelo que sustenta o punho
que sustenta a mão e a cara triste.
Ali completo, por um segundo.
Ali e só ali, alívio.
Ali e só ali, babá
da criança que, segundo Yeats,
se arrastou para nascer
como a Besta, em Belém.

Mudo, no silêncio, e loquaz
pela possibilidade nociva do homem
que, por exemplo,
despenca das alturas do edifício
e passa por vidraças em formação geométrica
onde pessoas tristes, dentro dos quartos
o observam na queda
por milésimos de segundo.

Fantasmas calados aparecem
na extremidade da rua
como premonições de que um dia
todos nós nos encontraremos.

Foi-se o alto poeta beat,
besta demasiado rouca
anta, demasiado vil
para o país Brasil,
abaixo do hemisfério isolado
da sua influência.

Seu medo era o medo geral
do poeta, do judeu, da gentalha
e o dilema: Dylan Thomas:
a escrita que foi falha.

2 comentários:

  1. Acho que entendi pouco esse poema.
    A imagem de um cara caindo do edifício é genial, o poema em si é genial, mas a sua essência não pude apreendê-la de forma inteira.
    Acho que falar dos beats é perigoso. Ginsberg e sua maldição, e seu homossexualismo escatológico e sua descrença no homem..mas o que quero saber, vc gosta ou não de sua escrita, ainda que falha??
    Me responda, me responda, me responda...
    Que se dane o sonho americano, ainda bem que eles estão acima do Equador. O que tem a ver isso?? Ensandeci. BJ. DRI

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  2. Eu não sei, ainda não li suficientemente o Ginsberg. Só o vi na TV num documentário sobre Dylan, dando a melhor definição de poesia que eu já vi. Ou melhor, a única definição possível, para mim . Aí virei fã, daquelas mais picaretas, que nunca leu mais que um só poema, chamado "América", sobre nós, desse continente comprido. Mas o poema do Guga não é o Ginsberg, é o Guga, sempre surpreendente em sua inteligência a milhares de andares acima; assim é que o poema desperta algo que não definimos com certeza, algo talvez demais para nós, reles mortais.

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