Achei mais uma caderneta, mas não estava nas gavetas, estava no meio das roupas velhas no fundo da prateleira superior do armário. Eu costumo comprar essas cadernetas, caderninhos de papelaria de subúrbio, 70 centavos um, 1,65 reais o outro. Bloquinhos de papel vagabundo, de 12 x 6 cm, por aí.
Eu ando com esses troços, pretendo anotar telefones e recados, anoto, mas perco todos. Eu encho esses pequenos blocos de garranchos, desenhos e textos sem sentido. Escrevo à mão e, à medida em que vão ficando cheios, eu os troco por outros e, assim, tenho algumas dezenas de bloquinhos espalhados pelas gavetas. Às vezes acho algum do qual eu não me lembrava.
Não tenho I-Fode (é foda), notebuque ou coisa que o valha. Penso em comprar um, mas eles fazem tanta coisa que fico meio cansado em pensar nas possibilidades. Esses aparelhinhos são projetados para conexões, a palavra chave é conexão: com gentes, com seu e-mail, com telefones, com rss, feeds, com twiter, com o flickr - a aflição proveniente dessas práticas não me parece boa.
Quero a desconexão, cada vez mais, do mundo e da aflição tecnológica do mundo. Me equilibro parcamente no meu próprio ostracismo e meus velhos bloquinhos de anotações são o espelho dessa minha tendência de ostra fechada, ou fechando-se. E ainda, rebelde como o adolescente meio idiota que eu fui, com o fôdas ligado.
Mas achei esse bloquinho, do qual não me lembrava e, olhando suas páginas minúsculas, achei alguns textículos mirrados (assim mesmo, com "x"). De vez em quando vou postar um textículo desses (porque acho eles engraçados), inaugurando essa série que eu chamo, meio pomposamente, de "O ostracismo das gavetas". Quem sabe o título sirva para dar mais importância ao que era apenas para ser literatura de traças. Ié, ié, quem sabe.
Caderneta Apontamentos
Espiral 1/6
Contém: 40 folhas
Formato: 72 x 105 mm
pág.6:
Eu tinha quarenta e noves fora, anos sem pressa, quando o azul vitalício de um céu junino estabeleceu limites para meus peidos: ao norte, o mais nefasto; a leste o súbito peido das manhãs; a oeste o peido crepuscular, do silêncio sob as cobertas; ao sul o sulfuroso peido alucinado dos trovões.
Quando defini essas coisas, depois de uma noite inteira de troglodismos sem sentido - eu estava tentando quebrar, sem sucesso, a porta do cofre - já era de manhã e alguém, que não sei quem, ligou. Três tristes trins foram expelidos pelo aparelho, peidei em uníssono, no esforço para me levantar do chão, da ressaca, e atender. "Alô?", mas alguém, que não sei quem, desligou.
22 janeiro 2009
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Um dia eu lembro quando fui a sua casa, na rua Dante,e você tinha um quarto lá fora. Aí, eu passei uma tarde lá e fiquei mexendo nas suas gavetas e tinha muitos blocos e papéis espalhados e desenhos. Os papéis sempre tinham alguma coisa e ia descobrindo isso e chegou a noite e eu tava lá e você meio irritado de eu ficar mexendo nas suas coisas e eu fiquei meio encantada com tudo aquilo. Achei essa sua idéia genial, abrir as gavetas e tirar coisas mágicas de lá. Grande ostra gigante e meio triste, sempre vou te amar.
ResponderExcluirPS: coloquei um poema meio velho no meu blogosta e copiei o comentário que vc tinha feito, pq adoro seus comentários. Beijo.
Guga...vc prometeu e não cumpriu: cadê os textículos q vc ficou de colocar aq?
ResponderExcluirBom demais esse aq.
bjuuuu
E aí? Não prosas ou melhor, não peidas mais?
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