25 agosto 2006

Todos Incomodados

Fumar incomoda muitas pessoas. Mas o que mais incomoda todas as pessoas são as outras pessoas.

Elas gritam, descontroladas, nos restaurantes. Conversam aos berros. Maltratam os garçons na sua frente. Ouvem suas músicas em alto e bom tom dentro dos seus carros iguais. Ficam horas nos caixas eletrônicos dos bancos onde cada gerente cria uma fila de espera de indivíduos confusos que espera, com paciência, que o tal gerente acabe seu telefonema.

Esses gerentes vivem pendurados no telefone, atendendo minuciosamente um cliente que, ao contrário de você, nem se deu ao trabalho de ir até lá. O gerente de banco, enquanto telefona, nunca te olha. Eles devem ser treinados assim.

O guarda de banco pede que alguém volte atrás da linha amarela mas, antes de terminar a frase, a pessoa já foi, sem passar da linha amarela e já está voltando, lutando contra a porta giratória que não vai girar a menos que ela fique, por um momento, parada atras da linha amarela.

Essas pessoas nunca esvasiam as bolsas, os bolsos, do metal que carregam. Não da primeira vez. Botam um chaveiro na caçamba da porta. A porta não abre. Botam um celular. A porta não abre. Botam uma mini-câmera digital. A porta não abre. Botam um estojo de maquilagem, um anel, moedas. Do lado de dentro alguém quer sair. Toda vez que o cara tenta entrar, o outro tenta sair.

As filas nunca estão formadas de acordo com as linhas desenhadas para orientação. As pessoas mais pobres entendem a fila como algo que deve se estender a partir das costas de alguém. Não importa pra que lado essa pessoa esteja virada.

O balcão de informações não tem ninguém trabalhando lá. Quando a fila nos (três) caixas começa a engrossar, dois imediatamente se levantam e somem pela portinha dos fundos, levando um monte de papéis, cada um. Fica só aquele, de óculos, meio abobado. Aí chega um senhor bastante idoso e pouquíssimo amigável. Quer saber quanto tem na sua conta, mas esqueceu qual conta é.

Na hora do pique máximo o pessoal da manutenção resolve trabalhar e inutiliza, por prazo indeterminado, três caixas eletrônicos, dos cinco que existem. Mas um deles é só para emitir cheques.

Saio do banco e acendo um cigarro ali mesmo, na calçada. Um tomador-de-conta de carro vem pro meu lado e pede fogo. Fumamos os dois, em silêncio, em mútuo entendimento, observando as pessoas que saem pela porta giratória. Olham pra gente e desviam, rápidas, o olhar. Elas não fumam.

4 comentários:

  1. Cara, genial. Fidedigna descrição.
    É assim mesmo, É assim mesmo!

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  2. Anônimo12:24 AM

    Dentes amarelos, catarreira crônica, a escravidão de ter que comprar pelo menos um maço de cigarros por dia, a escravidão de não conseguir ficar pelo menos meia hora sem fumar, o mau cheiro que só é percebido por quem não fuma. Outra coisa legal também é o habito de jogar a bituca pra onde o nariz aponta. Realmente o fumante não incomoda ninguem. Sem contar que o problema do cigarro é que ele deixa doente sem matar. Quem fuma a vida inteira vai dar despesa extra pro sistema de saúde.

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  3. O anônimo está certo, isso é que é o pior. Mas não temos muitas escolhas. Haverá uma guerra, nos céus, na terra - tanto faz - e estarei, infelizmente, com meu exército. É verdade que no corpo-a-corpo os não-fumantes são superiores, mas os fumantes são atiradores infinitamente melhores.

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  4. faz muito sentido a fila começar pelas costas de alguém pois quem segue está obrigatoriamente atrás de quem é seguido.

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