23 dezembro 2006

Recado ao Noel

Ei, Santa. Mantenha essas renas longe do meu telhado. Vai me quebrar todas as telhas e, depois, quem é que vai pagar o estrago, heim, heim? Pare de atormentar as criancinhas com sua inexplicável obssessão pelo vermelho. Cê é algum raio de comunista ou o quê? Que que cê come lá no Polo Norte para ser tão gordo? Tá precisando de um regime, véio. Que que é rôu, rôu, rôu? Isso é uma risada ou uma ameaça? Sai pra lá, chulé; vê se larga do meu pé.
PS: cê vai trazer presentes? Prá mim? Então me manda os anos 70 de volta e algumas pessoas que ainda tavam lá. Depois a gente conversa.

17 dezembro 2006

Faça alguém feliz

Faça alguém feliz, não é difícil.
Saia de carro e deixe alguma porta mal fechada. Pode ser a sua, a do motorista.
Você notará pelo retrovisor que algum outro automóvel está te seguindo e pisca desesperadamente os faróis; o motorista gesticula através do vidro, mas você continua dirigindo calmamente e nota que o motorista agora está tentando chegar perto, emparelhar o carro dele com o seu.
Para fazer isso ele quase subiu na calçada, atravessou o sinal amarelo no último segundo, fechou um ou dois carros que estavam impedindo que ele se aproximasse e, finalmente, consegue parar a seu lado. Ele chama sua atenção com buzinadas curtas, ele não está reclamando com a buzina, ele só quer sua atenção.
Quando finalmente você olha ele está gesticulando frenéticamente, apontando o dedo em sua direção e tentando dizer algo através dos vidros fechados. A boca dele se move lenta e expressivamente, ele quer que você leia seus lábios enquanto inventa sinais com as mãos; ele está passando uma mensagem e sabe que tem que aproveitar aquela chance porque logo logo você e ele serão separados pelo trânsito.
Às vezes ele chega a se debruçar sobre o banco da frente e abre a própria janela para dizer, aflito: A PORTA ESTÁ ABERTA! E só depois de se certificar que você entendeu o recado é que ele relaxa, sorri e vai embora, feliz pelo resto do dia porque ajudou um idiota qualquer (você) que não sabe do enorme perigo que é dirigir com uma porta mal fechada.
Agora, se é você quem quer se sentir feliz e não encontra um idiota com a porta aberta no trânsito, vá para casa e quebre algum copo ou garrafa de vidro. Junte os cacos cuidadosamente e procure aqueles jornais velhos, papelões, o que for que lhe permita fazer aquele embrulho especial que a gente faz para O LIXEIRO NÃO CORTAR A MÃO. Quando a gente consegue fazer um embrulho desses que garanta que O LIXEIRO NÃO VAI CORTAR A MÃO, estamos felizes pelo resto do dia, não tem erro.

15 dezembro 2006

Formigas

Todo mundo já viu formigas, uma ou milhares, doidamente caminhando por aí. Todas as formigas são do sexo feminino (os machos são criados periódicamente, utilizados e descartados em seguida). Assim como todas as abelhas e uma infinidade de insetos. A inteligência das formigas é coletiva, a organização é de um socialismo extremo ou, mais propriamente, de um comunismo consumado. Formigas trabalham o tempo todo, durante toda vida. Uma formiga não tem senso de humor e nem descansa. São ferozmente práticas, objetivas e não perdem tempo. O objetivo visível é o bem comum. O invisível é sobreviver, custe o que custar; sobreviver a tudo e a todos. A nós, inclusive. As formigas são a imagem do extremo feminino. O extremo feminino é um imperativo universal, o extremo masculino é muito efêmero. O sexo feminino é o sexo básico, portanto anterior ao masculino que é só uma variante. A divisão de sexos é só uma experiência terrena. Pode não dar certo. Toda mulher tem um que de formiga. Ou de abelha. E o sexo masculino é descartável.

08 dezembro 2006

O horror, o horror


Acabei de reler o Coração das Trevas, de Conrad. É certo que Conrad escreveu em inglês, que ele aprendeu depois dos vinte anos de idade. Ou seja, duvido que falasse inglês fluente. A tradução (inglês para português) é legal mas... tem alguma coisa esquisita. É algo como se um pintor habilidoso e destro machucasse a mão direita e pintasse com a esquerda. Bem, deixa pra lá. O que eu queria dizer é que eu estava na fila do caixa do supermercado e cedi meu lugar para uma mulher grávida e logo atrás dela veio outra. As duas barrigudas se entalaram no corredor estreito, segurando bolsas e sacolas plásticas, dando umbigadas uma na outra, tentando se desvencilhar; uma agarrada ao carrinho de compras, a outra empurrando com as costas o rapaz que empacota as mercadorias, que tentava ajudar, enfiando os braços sob as axilas da segunda e tomando cuidado para não roçar a barrigona e os seios intumescidos... em certo momento as duas mulheres, ambas simpáticas, começaram a rir e uma delas falou: "oh, meu deus, que horror, que horror...!" Eu pensei: Conrad, você precisava ver isso...