Tentei descobrir qual o princípio ativo, ou qual a pessoa, que norteava a cerimônia de entrega dos prêmios, já que havia uma pequena multidão mas nenhum indício de ordem ou coisa que o valha. O velho auditório do campus estava com a lotação pela metade, mas a algazarra reinante parecia aumentar o número de gente.
Lá na frente, sobre o tablado, algumas cadeiras vazias, perfiladas atrás de uma mesa, também vazia, a não ser pelo único microfone, colocado no centro. Alguns caras estavam rodeando o microfone e conversavam entre si.
Eu supunha que eram os encarregados de fazer a aparelhagem de som funcionar, mas pareciam absortos numa conversa entre eles e que não tinha nada a ver com o microfone. Um dos caras, finalmente, deu uns tapas na boca do microfone e disse: "som, som".
Um assovio agudíssimo, com a potência de mil decibéis, algo que soou como um eco de uma briga de gatos gigantes, encheu o salão, ensurdecendo quem estivesse próximo dos autofalantes e um grasnido alto, de alguma besta mecânica inominável, rompeu em soluços espasmódicos, enquanto alguns caras se movimentaram rápidamente em cima do tablado, e a coisa pareceu funcionar, e fez-se silêncio súbito.
Novamente o cara bateu no microfone - "Som, um, dois, três, som" - e alguém fez sinal pra ele de que não havia som algum. O cara vai até o fundo e sai tateando pelos cantos da parede, mexendo nuns fios. Um outro cara fica com a boca próxima ao microfone, gritando alguma coisa inaudível, até que a aparelhagem subitamente volta a funcionar, ampliando absurdamente a voz do sujeito: "...ta que o pariu! Funciona, carái!!!" Risos na platéia, assovios; alguém puxa uma saraivada de palmas. A cerimônia de entrega dos prêmios literários estava começando.
A mulher alta e magra, idade indefinida entre quarenta e cinquenta, conhecida como "a polaca", uma das professoras mais conhecidas da universidade, se aproxima do microfone sobre a mesa e tem que se curvar para dizer: "Bom dia!" Estávamos em pleno sábado, manhã de sábado, por volta das dez horas da manhã.
O campus estava vazio quando cheguei, apenas a pequena aglomeração na entrada do auditório marcava o evento, programado para as nove horas. De uma manhã de sábado. Sabe-se lá por quê. Parafraseando Erasmo Carlos, logo que eu cheguei, notei Joaquim com um copo na mão. Assim que ele me viu, veio pro meu lado:
"Cara, olha só isso aqui."
Eu olhei pro copo em sua mão - era a única pessoa que tinha um copo na mão - mas ele me corrigiu logo:
"Não é o que eu tô bebendo, sô. Tô falando é dessa confusão toda", e abriu os braços, num gesto que apontava as pessoas em redor.
Me afastei um pouco, instintivamente, mas ele conseguiu não derramar nada do que tinha dentro do copo.
"O que você tá bebendo aí, por falar nisso?"
"É só água, sô. Tô com a boca seca. Quer dar um gole?"
Ficou me olhando insistentemente, estendendo o copo em minha direção, esperando minha resposta. "Não. Tudo bem, - eu disse - cê pode andar por aí em paz, com seu copo de água."
Foi o melhor que eu consegui responder. Joaquim deu alguns pequenos goles, absorto em si mesmo e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, perguntou de repente: "Cadê a Cida?"
Respondi o que eu achava óbvio:
"Pensei que ela já estivesse aqui, com você."
"Ué... por quê?", perguntou ele. Realmente eu não sabia por quê. Ia dizer que eles sempre estavam juntos, ou coisa assim, quando vi, de longe, que Cida estava chegando, caminhando pela alameda que ia dar no auditório.
"Lá vem ela", eu disse.
Joaquim olhou para onde eu olhava, ficou na ponta dos pés e custou um pouco para identificar Cida no meio das pessoas que ainda estavam chegando. Tive que rir porque não havia razão nenhuma para ficar nas pontas dos pés, não havia ninguém na nossa frente e Joaquim já era alto o bastante para enxergar acima de quase todo mundo. Mas ele continuou na postura de quem olha por cima de alguma multidão, até que Cida nos viu e se aproximou, sem alterar o passo.
"Ahá! Maria, a parricida! Até que enfim, aparecendo!"
Desde quando Joaquim soube que Cida brigara com os pais para ingressar no curso de comunicação, em vez de estudar medicina, como eles queriam, Joaquim deduziu que ela "matou os velhos de desgosto profundo". Portanto, Maria Aparecida Velásques, nome que ela própria detestava, como confessara algumas vezes, era um nome perfeito para os trocadilhos de Joaquim. Ele se queixava, por exemplo, de sua acidez - "A relação com a Cida é ácida". Ou dizia que as caminhadas com ela eram "acidantadas" e costumava praticar mais outras piadinhas infames. Cida nunca se incomodou. De vez em quando dava uns tapas no ombro dele, pra ele ficar quieto. Riam juntos, ele mais, aparentemente adorando a reação dela.
Cida parou na nossa frente, disse "Oi" para ambos, olhando para baixo, ajeitando alguma coisa com os pés, como se as sandálias estivessem apertadas ou algo assim. Deu um passo em minha direção, como se estivesse testando as sandálias e levantou subitamente a cabeça para me beijar o rosto, de leve e rapidamente, sem me dar tempo para retribuir; foi até Joaquim e empurrou-o com ambas as mãos, em direção à entrada do auditório, "Vamos, bobão."
Fomos e nos sentamos, os três, a uma distância relativamente longe do tablado, atrás das oito ou dez primeiras filas de cadeiras, já ocupadas. Estiquei as pernas, até onde consegui, me recostei o melhor que pude e me preparei para enfrentar os discursos, os agradecimentos e o que mais viesse. Eu tinha ido apenas por insistência de Joaquim; não acreditava em nenhum resultado positivo em relação ao "nosso conto"; nem ao menos que ele estivesse entre os finalistas. Cida, ao meu lado, olhava fixamente para frente; depois dela, Joaquim batia incessantemente os joelhos. Pensei que a manhã ia ser uma longa manhã.
25 agosto 2007
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